Pesquisar neste blogue

sábado, 25 de julho de 2009

PATAÑJALI E O YOGA

PATAÑJALI E O YOGA





Desde a época das Upanishads (primeira grande corrente filosófica da Índia, o berço dos Vedas), a índia só esteve verdadeiramente preocupada com um único tema: a estrutura da condição humana, a análise rigorosa dos diversos condicionamentos do ser humano. Não procuraram chegar a uma explicação precisa e coerente do homem (como se processou no ocidente no séc. XIX com base nos condicionamentos hereditários e sociais) mas antes perceber até onde se estendiam as zonas condicionadas do ser humano e ver se existiria alguma coisa para além desses condicionamentos.



Os grandes obstáculos à vida ascética (devota, iluminada, sagrada) e contemplativa provinham da actividade do inconsciente, dos “samskâra” e dos “vâsanâ” (impregnações, resíduos, latências) que se designam por conteúdos e estruturas do inconsciente. O importante para o conhecimento não era conhecer estas latências, mas dominá-las, trabalhar sobre os conteúdos do inconsciente para os “queimar” (sublimar). “Os obstáculos (ao samádhi/iluminação) são: a incultura, o egoísmo, a exaltação das paixões, a aversão injustificada e o excessivo apego à vida”(Yoga Sútra, 2,3). As expressões de apego são denominadas kleshas (fontes de angústia) pois estas resultam em todos os casos no acumular de vivências aflitivas. Somente com a libertação desses kleshas é que o yoguin pode interromper a corrente kármica (a lei da acção e reacção) e libertar-se além da condição humana. “O resíduo kármico tem ou é acompanhado por tendências e disposições (samskâra) de vários tipos, incluindo no mínimo dois tipos de vestígios (vâsanâ), um dos quais, se e quando activado produz uma recordação da acção originadora, e outro que, se e quando activado produz certas aflições (kleshas). Estes kleshas são concepções erróneas que caracterizam o pensamento daqueles que estão envolvidos em actividades intencionais e são elas as responsáveis pelo facto da pessoa estar em cativeiro, isto é, estar continuamente a produzir resíduos kármicos.” (Potter, Karl. Karma and Rebirth in Classical Indian Tradition, 1980, Berkeley).



Patãnjali descobriu cinco matrizes produtoras de estados psicomentais (citta vritti): a standardização ou o idealizável (prámana); a concepção errónea (viparyaya); a imaginação sem base factual (vikalpa); o sono e a ausência de ideias e experiências (nidrá); e a memória (smrti).


Patañjali enumera de seguida as cinco causas para que as cittavrtti causem sofrimento, aflições (kleshas): a ignorância (avidyá); o sentimento de individualidade (asmitá); a paixão e o apego (rága); o aborrecimento, a aversão (dvesha); e o amor pela vida, vontade de viver, e o medo da morte (abhinivesha) (Yoga Sútra 2,3 e o comentário de Vyása).


Todos os vrittis produzem sofrimento, aflições (kleshas), a vida humana na sua totalidade é dolorosa.
Patañjali descreve os vásaná como “sensações subconscientes específicas”. Estes alimentam sem cessar o fluxo psicomental, a série infinita dos cittavritti. São inapreensíveis, difíceis de controlar e dominar, a “potencialidade” carateriza a sua dinâmica e obriga-os a manifestarem-se e a actualizarem-se sob a forma de actos de consciência. “Os vásaná têm origem na memória” (Vyása), a vida é uma descarga contínua de vásaná que se manifestam através dos vritti. Os vásana transmitem-se hereditariamente, historicamente e etnicamente, de geração em geração, pela linguagem, costumes e cultura, ou transmigração kármica.
Torna-se inútil tentar modificar os estados de consciência (cittavritti) enquanto não se controlarem e dominarem as latências psicomentais (vásaná), é indispensável cortar-se o circuito subconsciente-consciente, e é o corte deste fluxo que as técnicas yoguicas se propõem a fazer, aniquilar o fluxo psicomental. As latências querem sair à luz, actualizar-se, tornar-se estados de consciência. A resistência que o subconsciente opõe a todo o acto de renúncia ou de iluminação é o sinal do medo sentido por este (subconsciente) que as latências (vásaná) ainda não manifestadas possam falhar o seu destino, ser aniquiladas antes de terem tido tempo de emergir e actualizar-se.


O Yoga ilumina o circuito que une consciente e subconsciente, considerando o subconsciente a matriz e receptáculo de toda a acção, gestos e intenções egoístas, dominado pela “sede do fruto”, pelo desejo de auto-satisfação, de saciedade, de multiplicação. Tudo o que quer manifestar-se, ter uma forma, mostrar o seu poder, definir a sua individualidade, vem do subconsciente e ao subconsciente regressa (graças às “sementes” kármicas, vásaná).


Uma das maiores descobertas da Índia é a “consciência-testemunha”, a consciência desvinculada das suas estruturas psicofisiológicas e do condicionamento temporal, a consciência do “libertado” (ou liberado), entenda-se como aquele que conseguiu desligar-se da temporalidade e conhece portanto a verdadeira e inefável liberdade. A conquista dessa liberdade absoluta constitui o objectivo de todas as filosofias e técnicas místicas indianas, mas foi sobretudo através de uma das múltiplas formas de yoga que a Índia acreditou poder assegurá-la.


Chitta Viksepa – As Distracções e Obstáculos do Yoguin


Patañjali focou ainda as distracções e obstáculos (chitta viksepa) que prejudicam e perturbam o sucesso na prática do aspirante a yoguin. Estes são: vyádhi (doença que perturba o equilíbrio do corpo físico); styána (falta de disposição mental para trabalhar); samshaya (dúvida ou indecisão); pramáda (indiferença ou insensibilidade); alásya (preguiça); avirati (sensualidade, quando o desejo possui a mente); bhránti dárshana (conhecimento inválido, ilusório); alabdha bhúmikatva (falta de concentração ou de linearidade mental de forma que a realidade não é perceptível); anavasthitattva (instabilidade em permanecer focado após prática continuada).


No entanto, existem ainda mais quatro distracções: dukha (dor ou miséria); daurmansya (desespero); angamejayatva (falta de estabilidade e firmeza física); shvása prashvása (respiração irregular).


A Dor Universal


Qualquer sistema de pensamento (dárshana) pós-Upanishads encontra a sua razão de ser, o seu foco no sofrimento universal. O seu valor reside na capacidade que têm de libertar o homem da “dor”. A experiência humana, seja de que natureza for, gera sofrimento: “O corpo é dor, porque é o lugar da dor; os sentidos, os objectos, as percepções são sofrimento, porque conduzem ao sofrimento; o próprio prazer é sofrimento porque é seguido de sofrimento.”(Anirudha, nos comentários aos Sâmhkya Sútras, 2,1).


Qualquer dárshana expressa o desejo do Homem de escapar à tríplice miséria: o sofrimento celeste (provocado por acção divina, que escapa ao controle do Homem: desastres naturais, tempestades, furacões, tsunamis, etc.); o sofrimento terrestre (causado pela natureza, pela acção do homem e dos intervenientes naturais, a guerra, a falta de alimento, as más gestões políticas e sociais que influenciam toda a Humanidade, ou até as picadas de mosquito, as mordidas de cobras, etc.); e o sofrimento interior ou orgânico (a doença, a instabilidade mental, emocional e/ou energética, etc.).


No entanto, perante este cenário pouco atraente verifica-se que nenhuma filosofia indiana conduz ao desespero, mas o sofrimento é considerado como condição sine qua none para a libertação, tendo assim um valor estimulante e positivo. O sofrimento não é algo que esteja apenas relacionada com o homem, mas antes como uma necessidade cósmica, o simples facto de existir no tempo, de durar (esta realidade efémera é entendida como devir) implica sofrimento. Agora, ao contrário de todos os outros seres, o homem tem a capacidade de transcender efectivamente a sua condição e abolir o sofrimento.


A miséria da vida humana não advém de nenhum castigo divino nem de um pecado original, mas sim da ignorância, não qualquer ignorância, mas a ignorância da verdadeira natureza do espírito, a ignorância que nos leva a confundir o espírito com a experiência psicomental, resumindo, uma ignorância de ordem metafísica.



O Ser, o Si, o Espírito





O Ser ou Espírito (purusha) é uma realidade única, universal e eterna, dramaticamente implicada na ilusão temporal da Criação (máyá). O purusha é o catalisador químico de todo o conhecimento e existência, é o substrato: “aquilo que não se poderia ver, mas pelo que as visões são vistas; aquilo que o pensamento não poderia pensar, mas graças ao qual o pensamento pensa; aquilo por que tudo se manifesta e que por nada é manifestado.”(Kena Upanishad, 1,5-6). Purusha é absoluto, irredutível, autónomo e impassível, desprovido de atributos, qualidades ou desejos. Purusha é eternamente livre: “Purusha é aquele que não pode nascer nem ser destruído, que não é escravizado nem activo, que não está sedento de liberdade nem libertado.” (Gaudapáda, Mándúkhya Káriká, 2,32 – comentário da Mándúkhya Upanishad).


Esta concepção levanta uma dúvida: então se o espírito é eterno, indissociável, como pode este associar-se a algo como a experiência psicomental, e todos os seus dramas e sofrimentos? Como é possível tamanha relação? Tanto o Sâmkhya como o Yoga consideram este problema insolúvel, porque ultrapassa a capacidade da compreensão humana. Uma vez que o intelecto (buddhi) não é mais do que um produto refinado da prakrti (natureza, vida), a inteligência humana não pode interpretar ou conceber outro tipo de fenómenos que não os que como ela façam parte da série infinita de criações da massa primordial (prakrti). Para se ter conhecimento de causa acerca de algo transcendente à vida teria de se ter ao dispor um instrumento de conhecimento que transcendesse também a condição humana.


Querer encontrar uma solução histórica para algo que não tem princípio nem fim não somente será inútil como é de todo uma infantilidade. Os estados de consciência são produto da prakrti e não podem manter qualquer relação com o espírito pois este está por natureza acima (ou desapegado) de qualquer experiência. No entanto, a parte mais subtil e transparente da vida mental, o intelecto (buddhi) na sua forma de pura luminosidade (sattva)tem uma qualidade específica: a de reflectir o espírito.
A compreensão do mundo exterior é possível graças à reflexão do purusha na inteligência, mas o purusha não é semelhante nem diferente dela: não é semelhante à inteligência porque não é modificado pelo conhecimento sempre mutável dos objectos, o espírito dispõe de um conhecimento ininterrupto, ele é de certa forma, O Conhecimento; e não é totalmente diferente de buddhi (conhecimento) porque embora sendo puro, conhece o conhecimento. “Assim como uma flor se reflecte num cristal, a inteligência reflecte o purusha” (Yoga Sútra, 1,41). Seria ignorância atribuir ao cristal as qualidades da flor (forma, dimensões, cores). Quando a flor se move, a sua imagem move-se no cristal, apesar deste permanecer imóvel. É uma ilusão pensar que o espírito é dinâmico só porque a experiência mental o é. Na realidade trata-se de uma situação ilusória, uma correspondência simpática entre o Si e o intelecto.
“Quem conhece o átman atravessa o oceano do sofrimento” (Chândogya Upanishad, 7, 1, 3). A primeira etapa da conquista do conhecimento consiste em negar que o espírito tenha qualquer atributo. Dizer e pensar “eu quero”, “eu sofro”, “eu conheço”, e pensar que esse “eu” se refere ao espírito é viver na ilusão e prolongá-la. Desencadeia-se uma força determinada ou semeia-se outra, cria-se um “momento” no circuito da energia cósmica, que supostamente é eterna e ininterrupta, criam-se os elos kármicos. A partir do momento em que compreendemos que o Si é livre, eterno e inactivo, a dor e os sentimentos, desejos e pensamentos já não nos pertencem, são anulados, perdem o seu valor. O valor destes é real, mas esta realidade não tem nada em comum com o purusha.


O conhecimento é um despertar que revela a essência do Si, não produz nada, mas revela de forma imediata a realidade. Tal conhecimento verdadeiro e absoluto não deve ser confundido com a actividade intelectual, de essência psicológica, não se obtém pela experiência, mas pela revelação.


A Substância e a Estrutura


A substância primordial (prakrti ou prakriti), a natureza real, dinâmica e criativa possui três formas de ser, que se conhecem como gunas (os três são conhecidos como triguna). Estes permitem a natureza manifestar-se de três formas diferentes: sattva (modalidade da luminosidade e da inteligência); rajas (modalidade da energia motora da actividade mental); e tamas (modalidade da inércia estática e obscuridade psíquica). Os gunas e a prakrti são uma e a mesma coisa, não se dão em separado, em todos os fenómenos físicos, biológicos ou psicomentais eles existem os três simultaneamente, embora em proporções desiguais. É esta desigualdade que permite o aparecimento de fenómenos, seja qual for a sua natureza., caso contrário toda a existência seria eterna. Os gunas têm um carácter duplo: podem ser interpretados num sentido objectivo, constituindo fenómenos do mundo externo; como subjectivo, constituindo fenómenos do mundo interior, psicomental.


A prakrti apresenta-se na sua origem como uma massa energética denominada mahat (o grande). Arrastada pelo impulso da evolução, a prakrti passa do estado de mahat para o ahamkâra (o ego, desprovida de experiência pessoal mas possuindo a consciência obscura de ser um ego). Daqui a prakrti evolui em duas direcções opostas, o objectivo e o subjectivo: quando o equilíbrio é dominado por sattva, desenvolvem-se os sentidos cognoscitivos (jñanendriya: visão, olfacto, audição, paladar e tacto) e a mente (manas), servindo este último de elo entre a actividade perceptiva e a actividade biomotora; quando o equilíbrio é dominado por rajas, desenvolvem-se os sentidos conativos (karmendriya: palavra, prazer, aprendizagem, locomoção, excreção); quando o equilíbrio é dominado por tamas, desenvolvem-se os cinco elementos primordiais (tanmâtra: éter, ar, água, fogo, terra), os núcleos genéticos do mundo físico. Destes tanmâtra derivam os átomos e moléculas que dão origem aos organismos vegetais e animais.


Desta forma, o corpo do homem, os estados de consciência e a inteligência são frutos de uma única e mesma substância. Os gunas impregnam todo o universo e estabelecem uma simpatia orgânica entre a humanidade e o Cosmos, sendo estas duas entidades penetradas pelo mesmo sofrimento existencial e servindo ambas o mesmo espírito absoluto, estranho ao mundo e determinado por um destino ininteligível à condição humana. De facto, a diferença entre o Cosmos e o Homem é apenas uma diferença de grau e não de essência.



Moksha, Samádhi, Nirvana – Significado da Libertação





Com efeito, a libertação (moksha) não é mais que a tomada de consciência de uma situação pré-existente, é na verdade uma libertação da ideia do mal e da dor que advém da ignorância. O sofrimento extingue-se a si mesmo a partir do momento em que compreendemos que este é exterior ao espírito e que só diz respeito à personalidade humana, a partir deste momento deixam de se criar novos núcleos kármicos. Quando o homem se liberta da sua personalidade condicionada pela efemeridade natural, pelo medo do fim e da morte, pelo apego à vida e aos bens materiais e aos frutos da acção, e deixa de ser o actor da sua vida para passar a ser um instrumento da acção absoluta, este elimina o sofrimento da sua existência pois passa a viver em pleno a sua consciência cósmica.


Estas soluções que passam pelo desapego psicomental, emocional e experiencial podem parecer pessimistas ao homem ocidental para quem a personalidade é o pilar basilar de toda a moral em sociedade, mas uma vez que a personalidade é a responsável pela produção do sofrimento e do drama humano, para a obtenção da libertação absoluta a personalidade deverá ser sacrificada. O libertado em vida pode estender a sua esfera de acção tanto quanto desejar pois ele já não age como um “eu-próprio”, mas como um simples instrumento impessoal do Si. A libertação não elimina a dor, ela apenas nega a sua existência como parte do espírito, o sofrimento permanece pois é um facto cósmico, mas perde o seu significado.


A esperança prolonga e agrava até a miséria humana, só é feliz aquele que perdeu toda a esperança: “Porque a esperança é a maior das torturas que existe, e o desespero a maior das felicidades” (Mahábhárata, citado pelo comentador Mahadeva Vedántin em Sâmkhya Sútra, 4, 2).


Patañjali, o autor dos Yoga Sútras


Os Yoga-Sútra consistem em 4 capítulos, ou livros (páda): o primeiro, com 51 aforismos (sútra), é o capítulo sobre o êxtase yoguico, o trilho da hiperconsciência (Samádhipádah); o segundo, com 55 aforismos denomina-se de Sádhanapádah (capítulo da realização/prática); o terceiro de 55 sútras trata dos poderes maravilhosos (Vibhútipádah); e o quarto e último, o Kaivalyapádah (capítulo da libertação/isolamento), com 34 sútras que retratam questões já desenvolvidas nos capítulos anteriores.


Quanto ao autor, Patañjali, nada se sabe de concreto acerca dele, não se sabe sequer se viveu no séc.II A.C., no III ou mesmo no V da nossa era. Alguns comentadores indianos identificam-no como Patañjali o gramático, que viveu no séc. II A.C., autor do Grande Comentário Mahábháshya sobre o clássico de gramática escrito por Pánini. Outros autores referem-no como Patañjali o médico, autor do tratado Charaka Samhitá sobre medicina ayurvédica, que teria vivido séc.III desta era, e alguns ocidentais afirmam que ele terá vivido por volta do ano 400 D.C.. De qualquer forma, esta polémica é irrelevante pois o seu mérito é reconhecido por ele ter sistematizado um conhecimento anterior a ele com muitos milhares de anos, que até então tinha vindo a ser transmitido de geração em geração através do sistema chamado parámpará (tradição oral). O que importa verdadeiramente é que a mensagem dos yoguis da antiguidade continua a ser transmitida nos dias de hoje graças a Patañjali.


Ashtanga Yoga – Os Oito Membros do Yoga


Patañjali estruturou nos Yoga Sútra um sistema de yoga com 8 membros bem definidos, os quais passaremos a apresentar:


1.YAMA
Controle ou Domínio. Prescrições universais. Este aborda-se no início da prática, são prescrições éticas, refreamentos que pretendem purificar o yoguin na sua mente e emoção, na sua postura e acção, eliminando a subjectividade que se manifesta do egocentrismo, preparando o yoguin para os estágios/membros seguintes no Yoga.
São cinco as prescrições, mas todas elas conduzirão sempre à primeira aqui apresentada, sob qualquer forma: ahimsá (não violência); satya (verdade); asteya (não roubar); bramacharya (não desvirtuar a sexualidade); aparigraha (não possuir).
Os yamas desempenham o controle dos impulsos naturais que se manifestam através dos cinco karmendriya (órgãos de acção): braços (páni ou bahu) e mãos (hasta), pernas e pés (pada), boca (vak), órgãos sexuais (upashta: yoni na mulher, e linga no homem)e órgãos excretores (páyu).


Ahimsá, a não violência, entende-se como não matar, não agredir nem causar qualquer tipo de dor ou violência (seja esta de natureza física, psicomental, ou emocional) a si mesmo, ao próximo ou a qualquer ser vivo, humanos, animais ou plantas. Os outros quatro yamas são consequências naturais da não violência.


Satya, a verdade, consiste em fazer coincidir pensamentos, palavras e acções, evitando a falsidade e a mentira em todas as suas formas, nas suas relações com o próximo e consigo mesmo. Um consegue enganar quem quiser, só não consegue enganar a sua própria consciência. Falar a verdade é agir em nome do amor compassivo ao próximo, faltar com a verdade hipocritamente a quem desta necessita, é enganar, ferir, violentar subtilmente alguém que precisa da verdade. No entanto existem verdades que podem magoar o próximo por serem expressas sem caridade ou por terem um propósito sórdido, como por exemplo alguém que procura vingar-se de outra pessoa punindo-a fisicamente e pergunta-nos se a vimos passar ou sabemos onde se encontra, nestas situações a verdade deve ser sacrificada pela manutenção do bem-estar e de ahimsá, a não violência. Sacrifica-se a verdade pela entronização do amor compassivo.


Asteya, não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas do próximo. Passa não somente por não roubar, mas por eliminar totalmente o impulso de apoderar-se de objectos, existências, ideias prestígio ou mérito alheios. Qualquer furto é himsá, violência, pois causa dano à vítima. Os lucros excessivos são também agressões e constituem violência, pois aquele que acumula e se apropria indevidamente de qualquer valor, tirando-o desonestamente dos demais, seja pelo roubo directo ou por estratégias mais ardilosas para obtenção fácil e rápida de lucros desmedidos que desequilibram a balança das necessidades humanas. Se a humanidade não se tentasse apoderar daquilo que é de todos, haveria bastante para cada um de nós viver.


Bramacharya, o não desvirtuar a sexualidade, pode ser interpretado como total e absoluta abstinência do acto sexual, ou a não dissipação da energia sexual através do orgasmo, sendo económico quanto à excreção do sémen. Em ambos casos pretende-se por meios distintos conter a energia vital e geradora, a fim de preservá-la para a sua evolução no sádhana (prática) e na vida em geral. Desviar-se desta prescrição é manter o abuso, a exploração, a aberração, a degradação, a poluição sexual não só no físico, mas na mente e na emoção. Isto é uma forma degradante de violência sobre si mesmo ou sobre o próximo. O sexo é algo divino, potencia a criação, a sua energia é a expressão da energia divina (shákti), portanto brahmacharya não significa a repressão do divino mas sim o encontro do caminho (acharya) para o divino (brahma). Poupar no orgasmo para ganhar na concentração das ojas shákti (energias mentais, espirituais).


Aparigraha, a não possessividade, traduz-se como generosidade e desapego em relação aos bens materiais, às relações afectivas e emocionais, de uma forma geral, desapego aos frutos da acção. È outra das formas de asteya, não roubar, não tomar como seus os frutos da acção. Ao observar este yama, o yoguin simplifica ao máximo a sua vida, e tudo aquilo que ele necessita realmente vem ter a si a seu tempo. O praticante desenvolve a capacidade de permanecer satisfeito com aquilo que lhe acontece no seu dia-a-dia. Apegar-se aos objectos da mente ou das relações, querer possuir ou controlar os objectos exteriores, as relações ou o próximo é uma forma de violência sobre si mesmo e sobre outrem, é reforçar a ilusão da posse.


2. NYAMA
As prescrições psicofísicas, a conduta individual do yoguin. Estes cumprem a função de domínio sobre os cinco órgãos da percepção (jñanendriya): olhos (chakshu), ouvidos (shrotra), nariz (ghrána), língua (rasana) e pele (spárshana). O controlo sobre os sentidos conduz à organização da vida pessoal do praticante. As prescrições compreendem 5 disciplinas: sauchan (purificação); santosha (contentamento); tapas (austeridade ou esforço sobre si próprio); swádhyáya (estudo de si próprio e da metafísica do yoga); e íshvara pranidhána, a consagração a íshvara, o arquétipo do yoguin perfeito.


Sauchan, a purificação, inclui a realização de diversas técnicas de purificação interna e externa, que dão ao yoguin um estado de limpeza dos elementos do corpo físico denso (bhúta shuddhi). Sauchan é também a eliminação das impurezas do pensamento e da emoção. Uma pessoa que se alimente de animais, especialmente carnes, e que tenha situações de prisão de ventre, encontra-se internamente intoxicada, tenderá mais facilmente a ter tendências bruscas ou agressivas por ter no seu corpo toxinas que são próprias às espécies animais que dependem da agressividade para bem da sua existência. A purificação conduz assim também á não violência.


Santosha, o contentamento, consiste em cultivar um estado interior de permanente alegria, independentemente de factores externos. Esta atitude potenciará bastante o progresso da prática. Uma mente que não está contente não se consegue concentrar ou realizar. Uma pessoa contente é uma pessoa pacífica e paciente, livre da insegurança, da ansiedade, da inveja, da auto-aflição de violência física e psíquica. Estar contente implica menos uma pessoa violenta na sociedade.


Tapas é o calor, ascese, determinação, austeridade, força de vontade e esforço sobre si próprio: “Tapas produz a destruição das impurezas, o que conduz ao aperfeiçoamento da sensibilidade corporal” (Yoga Sútra, 2, 43). O objectivo desta disciplina é proporcionar um estado de purificação que permite ao praticante ter o controlo do seu corpo, romper com os limites impostos pela percepção limitada da realidade. Um praticante de tapas desenvolverá uma resistência que o fortifica para lidar com as maiores dificuldades da vida, tornando-se forte e destemido, e queimando também os seus desejos, o seu egoísmo, ambições ou fraquezas, tornando-o compassivo e tolerante, pacífico. Os tapas podem ser de 3 ordens: do corpo, purificação e extermínio das impurezas; da fala, pelo uso de palavras não ofensivas nem agressivas, preferindo um discurso compassivo e amoroso, falar sobre o conhecimento que produz a ascese; e mental, quando o yoguin permanece tranquilo e contente, rejubilado no equilíbrio e controlo da sua mente.


Swádhyáya é o estudo sobre si mesmo e sobre a metafísica do yoga, abrange o autoconhecimento através da reflexão sobre a sabedoria das escrituras, a aplicação prática desse conhecimento e a observação atenta da mesma. Alarga os horizontes do intelecto e estimula a prática das técnicas. Este é um processo de auto-educação, onde o professor e o aluno são unos na mente e partilham de amor e respeito mútuos. O conhecimento entra directamente na corrente sanguínea e passa a fazer parte da vida do ser. Quem o pratica lê e escreve o seu próprio livro da vida, revendo-o e completando-o continuamente. A sua prática conduzirá o praticante a tirar o melhor proveito e a apreciar da melhor forma o seu próprio destino. O mantra japa, a repetição de um mantra para fins de meditação também é considerado swádhyáya. Aquele que possui o verdadeiro conhecimento da sua vida retirou por completo a violência da sua esfera de acção.


Íshvara pranidhána é a consagração a Íshvara, entendido como o arquétipo do yoguin perfeito. Desta forma, é o modelo ideal, um exemplo a ser seguido pelo praticante. A prática de íshvara pranidhána consiste em adoptar esse modelo como objecto de meditação para alcançar a iluminação, o samádhi. Pressupõe entregar as acções e seus frutos a uma vontade superior à própria. Prazer e sofrimento devem curvar-se perante o conhecimento supremo e ser atribuídos a Íshvara, para não desenvolverem nem apego nem a perda, nem narcisismo nem frustração. Íshvara é como o sol, debaixo deste nenhuma outra luz é grandiosa e toda a escuridão se desvanece. As acções espelham melhor a personalidade de uma pessoa do que as suas próprias palavras, desta forma, o yoguin aprende a arte de dedicar as suas acções à energia per si de todas as acções, reflectindo a divindade em si mesmo.


3. ÁSANA
Este é o terceiro membro do yoga, ásana ou postura psicofísica. A prática de ásana desenvolve a estabilidade e a saúde do corpo, e a leveza dos membros. Uma postura estável e agradável produz o equilíbrio mental e previne a instabilidade da mente. A sua prática desenvolve agilidade, equilíbrio, paciência, resistência e grande vitalidade. Exercitam todos os músculos, nervos e glândulas no corpo, mantendo o corpo livre de doenças.


A prática de ásana não se centra no culto do corpo, é antes um trono de contemplação e meditação acerca dos seus sentidos, acerca da mente, do intelecto e da alma. Desta forma, o corpo torna-se um veículo para o espírito. Corpo, mente, emoção e espírito são um só, não actuam separadamente, e a prática de ásana transporta-nos para essa consciência absoluta.


O ser, e neste caso particular, o seu corpo, estão em permanente e constante transformação, passam por um processo de nascimento, crescimento, desenvolvimento, maturação, e naturalmente morre… a prática de ásana permite que este processo efémero seja efectuado da forma mais consciente e equilibrada possível, mantendo o funcionamento vital saudável até o seu último suspiro, e não só torna a vida mais longa e tranquila, como torna o processo da morte mais simples, menos doloroso, mais confortável. Nos dias de hoje as pessoas envelhecem e degradam-se bastante nos últimos anos de vida, perdendo a total qualidade de vida, vivendo em necessidade de apoio extremo e sofrimento, e os últimos momentos de vida são longinquamente dolorosos e perpetuados pela doença até ao último momento. Com a prática continuada de ásana, a morte torna-se um processo simples e rápido, uma simples passagem de um plano de consciência para outro plano mais subtil.


Os nomes dos ásanas são significativos e ilustram o princípio evolucionário. Alguns adquirem os seus nomes inspirados na vegetação (vrksha – árvore; padma – lótus), outros em insectos (shalabha – gafanhoto; vrischika – escorpião), outros em animais aquáticos ou anfíbios (matsya – peixe; kúrma – tartaruga), outros em aves (mayúra – pavão; hamsa – cisne), outros nos quadrúpedes (svána – cão; ushtra – camelo), outros nos seres rastejantes (bhujang – serpente), ou mesmo o estado embrionário (garbha-pinda ou bala – embrião/bebé). Alguns ásanas são nomeados em homenagem a heróis lendários (Virabhadra – O Guerreiro; Hanuman – O Deus Macaco, filho do Vento), outros representam alguns deuses e avatares do panteão hindu (Ganesh – Deus Elefante, filho de Parvati e Shiva; Krishna).


O yoguin percebe pela prática de ásana que a sua mente não deve descuidar ou tomar irrelevante qualquer forma de vida, independentemente da criatura, toda a gama da criação desde o insecto mais baixo à forma de vida mais perfeita, todos respiram o mesmo espírito universal (purusha), assumindo infinitas formas. Por este meio o yoguin entende que a forma mais elevada é a do ser sem forma (o Si). O verdadeiro ásana é aquela postura em que o pensamento de Brahma flui incessante e sem esforço na mente do praticante.


“Shtirasukham ásanam”(Yoga Sútra, 2, 46). “Ásana é a postura firme e confortável”. Para encontrar a maneira correcta de interpretar este sútra, devemos ir até a origem da questão: sthira significa firme, sólido. Por outro lado, há várias formas de definirmos sukham: felicidade, fácil, fluído ou agradável. Patañjali coloca primeiramente o termo sthiram. Não há dúvida, então que devemos construir o ásana primeiramente, da maneira mais firme. Somente depois vem sukham, o conforto. Sukham não pode ser mole, seria ilógico uma vez que sthiram significa firme. Portanto, agradável, já que sukham significa mesmo felicidade, alegria, apresenta-se como uma forma adequada de traduzir o termo.


4. PRÁNAYÁMA
Este anga centra-se sobre a expansão e o domínio da bioenergia através do desenvolvimento de técnicas respiratórias. Prána significa alento, força vital, respiração, energia, e ayáma significa expansão, controle, domínio, retenção ou pausa. Representa também a alma como corpo subtil oposto ao corpo denso.
Na prática de pránayáma identificamos 3 diferentes fases da respiração e desenvolve-se conhecimento e experiência no controlo e expansão das mesmas fases: púraka (inalação ou inspiração – encher os pulmões de ar); rechaka (exalação ou expiração – esvaziamento dos pulmões); e kumbakha (reter ou aguentar o ar dentro dos pulmões). Quando a retenção é feita sem ar nos pulmões, suprimindo a entrada de ar, o kumbakha é denominado de shuniaka.


Pránayáma é então a ciência da respiração. Estes ritmos respiratórios fortalecem o sistema respiratório, tonificam o sistema nervoso, e reduzem a ansiedade. Quando o desejo e a ansiedade diminuem, a mente liberta-se e torna-se um veículo para a concentração. Esta prática produz ainda a lubrificação e limpeza dos tecidos (pele, músculos, articulações), dos órgãos internos, e das nádi, o corpo energético por onde flui a energia vital (prána).


5. PRATYÁHÁRA
Expansão, abstracção ou retracção dos sentidos. É a faculdade de libertar a actividade sensorial do domínio das imagens ou objectos exteriores. Nesta fase, o praticante desenvolve uma busca no auto-exame de si mesmo. Para ultrapassar a atracção pelos objectos externos cuja sensualidade capturam os seus sentidos, o praticante deve atrair à sua mente com devoção total (bhakti) a origem criadora que deu forma a todos os objectos. Tal acção romperá a visão dual na mente do yoguin. Tal prática motivará o equilíbrio dos triguná (sattva, rájas, tamas) na natureza humana, e levará no final à ascenção da manifestação sáttvica, de natureza iluminada, conduzindo o praticante à libertação dos opostos e à concentração na totalidade da alma universal.


6. DHÁRANA
Neste membro do yoga, desenvolve-se a concentração da mente e dos sentidos num só ponto (ekagráta), no intuito de limitar a actividade da consciência exclusivamente na essência da imagem contemplada. O praticante que tiver uma mente focada desenvolve poderes intelectuais superiores e sabe exactamente o que pretende, então utiliza toda a sua concentração para esse objectivo.


A mente encontra-se agrupada em 5 estados mentais: ksipta (dispersão, negação); viksipta (agitação, distracção); múdha (loucura, entorpecimento, estupidez); ekágra (atenção, concentração, foco); e niruddha (anulação da mente, do intelecto e do ego, unidade com o divino).


Para atingir o ekagráta, o yoguin concentra-se sobre o AUM. O AUM é a essência de todas as coisas, a sua prática conduz à libertação da sua forma mortal para entronar todas as formas existentes, ou estar conscientemente sem forma alguma em toda a existência.


7. DHYÁNA
A meditação contemplativa, consiste em deter as flutuações da consciência através da sua saturação na contemplação de um objecto. A meditação é o resultado espontâneo da concentração da consciência e constitui a preparação essencial para atingir o estado de samádhi (libertado).


Tal como uma garrafa de água adquire a forma do seu recipiente, a mente adquire a forma do objecto que contempla. Tal como uma lâmpada eléctrica brilha ininterruptamente quando os filamentos mantém a corrente ininterrupta, também a mente brilha continuamente quando focada no espírito universal. Atinge-se um estado de consciência absoluta, sem qualificação possível, onde se manifesta exclusivamente um sentimento de felicidade e paz. O yoguin descobre através de dhyána a sua luz interior, tornando-se luz para si e para os outros. Neste momento ele liberta-se do karma e torna-se um jivana mukta (uma alma liberada).


8. SAMÁDHI
O último membro apresentado no sistema de Patañjali, a iluminação. No pico da meditação, o yoguin passa para um estado em que o corpo e os sentidos estão repousados como se estivessem a dormir, as faculdades mentais e a razoabilidade estão alertas como se estivessem despertas, no entanto ele atravessou para além da consciência, está totalmente consciente, totalmente alerta. Existe apenas a experiência da consciência, da verdade e de uma alegria inalterável, não existem pensamentos que descrevam este estado nem palavras que possam articular a experiência, apenas um profundo silêncio consegue transmitir a essência do samádhi. O yoguin partiu do mundo material e mergulhou na eternidade. Não existe diferença entre o conhecedor e o conhecido, entre o observador e o observado.


Estes textos foram produzidos e adaptados com base nas seguintes obras bibliográficas apresentadas em baixo, as quais desde já recomendo para aprofundar o conhecimento nestes temas aqui desenvolvidos:


- B K S IYENGAR, Light on Yoga- Yoga Dipika, George Allen & Unwin (Publishers) Limited, Great Britain, 1966;
- MIRCÉA ELIADE, Patañjali e o Yoga, (1966), Relógio de Água Editores, Santa Maria da Feira, 2000;
- PEDRO KUPFER, Guia de Meditação, Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, Brasil, 1999;
- PATAÑJALI, Yoga Sútra;
- JOSÉ HERMÓGENES, Ahimsá - A meta ética do yoga de Patañjali, extraído do livro "Convite à não-violência", extraído em www.yoga.pro.br;
- PEDRO KUPFER, Os ásanas segundo Patañjali, extraído em www.yoga.pro.br.


Desde já os meus agradecimentos e reverências a estes mestres cuja contribuição e inspiração nos permite reconhecermos o caminho do conhecimento nas nossas vidas e práticas.