DISPONIBILIDADE TOTAL
Quando vos despertar a vontade de meditar devem arranjar disponibilidade total para dedicar a esse momento, o descomprometimento em relação a qualquer estímulo social é essencial. Se necessário, retirem o som dos telemóveis, informa todos os presentes que não deverás ser incomodada/o durante a próxima hora pois estás a meditar, coloca um aviso na porta, ou garante que onde te encontras estás isolado para este propósito.
Este será um momento sagrado em todos os seus aspectos, tudo o que não for essencial à meditação deverá ser deixado fora do local de meditação: telemóveis, chaves, carteiras, sapatos, enfim, todos aqueles objectos que fazem parte do mundo material e que poderão influenciar a tua atenção e concentração no desenrolar do processo. Com a prática perceberás que não só os bens materiais ficam de parte, como também qualquer ocupação mental ou emocional: os compromissos profissionais e sociais, os pensamentos, ambições, desejos e projecções, até mesmo a família.
LOCAL
Deves eleger ou dar preferência por um lugar de meditação que favoreça a sua prática e intensifique a sua acção. Um local no meio da Natureza é sempre favorável para meditar uma vez que o/a praticante mais facilmente se descomprometerá da sua acção em sociedade, a natureza não cobra nem compromete a atenção de quem medita. Tentar meditar inicialmente em locais movimentados será bastante perturbador e factor de distracção para o praticante, devem evitar os locais movimentados e com muita informação / confusão, e preferir sempre que possível um local protegido e tranquilo. O campo, as montanhas, a praia, um rio, um lago, uma árvore, uma queda de água são templos naturais para a prática da meditação. Aqui a energia encontra-se vibrante e pura, influenciando tudo em seu redor com esta vibração.
Se conseguirem encontrar um local onde a natureza se encontre salvaguardada, sem poluição e perturbação, adoptem um lugar neste local exclusivamente para meditar. Se não tiverem essa sorte do contacto directo com a natureza, não se desiludam pois poderás criar este local mesmo na tua casa, podes disponibilizar uma sala da habitação para a meditação, mas se não tiverem disponibilidade espacial para isso, podem sentar-se no vosso quarto e fechar os olhos, um canto na divisão servirá para o efeito, mas deve ser dedicado exclusivamente à meditação. Todas as acções desencadeiam a sua própria frequência vibracional, todas geram a sua própria energia, se dedicares este espaço à meditação, este absorve essas vibrações, e corresponderá progressivamente com a tua prática, quando te voltares a sentar lá estarás envolto nesta vibração.
Com a prática perceberás também que o verdadeiro templo da meditação é interior, é o estado natural do ser, a sua própria essência, o local de maior conforto que poderás encontrar será o teu próprio centro, a tua consciência, e nesse momento poderás meditar em qualquer lugar, no trabalho, na escola, no supermercado, no carro, na feira, na estação de comboio, porque estás centrado. O crescimento na prática é essencial, dia após dia após ano, como um ser vivo que se desenvolve: frágil no princípio como qualquer planta, cria animal ou criança que cresce e desenvolve integridade com a experiência e força e sabedoria para lidar com as exigências na vida.
CONFORTO
O conforto na postura que se adopta para a meditação é algo muito importante para o sucesso na prática. Se não conseguirmos garantir o conforto ao nosso corpo físico, será muito mais complicado atingir camadas muito mais profundas e sublimes do nosso ser, se a primeira porta para a meditação que é o conforto e estabilidade do corpo físico não for aberta, todas as outras portas permanecerão fechadas. Estar confortável com o seu corpo é a necessidade primordial do praticante que pretende aprofundar os seus êxtases interiores. Ao princípio não se recomenda a prática de posturas deitadas, pois a falta de prática na atenção e concentração do praticante poderão facilmente colocá-lo mesmo à vontade para fazer uma soneca, e este não é o propósito da meditação, apesar de o sono melhorar qualitativamente com a prática. Prefiram uma postura sentada, que lhes proporcione o conforto necessário para meditar, mas que ao mesmo tempo seja firme e estável, mantendo a coluna erecta para que o prána (energia no oxigénio) flua devidamente pelo corpo alimentando desta forma a relação do praticante com os seus corpos mais sublimes, de consciência mais intensificada. Por firme não entendam rigidez na postura, mas antes uma firmeza suave que lhes permita estar completamente atenta/o, completamente consciente. Tal como Patanjali refere nos Yoga Sútras: “Sthiram Sukham Ásanam”, postura firme mas confortável, percebam inicialmente se está firma para permanecerem nesta posição por um tempo, e depois garantam que será confortável para a prática, sem que as distracções do corpo não perturbem o bom funcionamento da prática.
COMO COMEÇAR
Tal como mencionei anteriormente, aos poucos o/a praticante vai ganhando percepção que a meditação é o seu estado natural, mas antes de estar consciente disso vai encontrar no seu caminho uma série de (des)informações, preocupações, perturbações, uma série de percalços enraizados na sua mente e na sua acção, e assim que começarem a tentar meditar estas vão manifestar-se causando algumas dificuldades iniciais.
Pela minha experiência pessoal, debati-me inicialmente com este “macaco solto na mente”, as ideias na cabeça que não sabia ao certo se era eu que as pensava se eram elas que me pensavam a mim, e até reconhecer verdadeiramente a essência da meditação experimentei as mais variadas técnicas tentando encontrar alguma/s forma/s de acalmar esta actividade interior para conseguir beneficiar da riqueza da meditação. Começar inicialmente com mentalizações forçando a concentração revelava-se infrutífero, pois existiam uma série de factores externos e internos que me distraiam da prática. Precisava de garantir o conforto e a tranquilidade essenciais há prática, e para garantir a realização de dhyána tinha que efectuar uma purificação, um kriyá , uma purga destes estímulos parasitas: as dores no corpo, o desconforto na postura, as perturbações ou pensamentos, os casos pendentes do quotidiano que afligiam a minha mente e emoção teriam de cessar. Ser persistente e estar disponível para aprender e aceitar o momento é o primeiro passo.
Como tal, vou fazer aqui referência à proposta de Osho para iniciar uma meditação, que ao longo do meu percurso na senda do conhecimento se revelou como um kriyá (técnica de realização) excelente para desconstruir os bloqueios iniciais do praticante: iniciar provocando a catarse.
Não começaremos sentados para não lidarmos com as perturbações que surgem, evitando desta forma frustrações, depressões, insatisfações desnecessárias por termos de alguma forma tentado interpretar conscientemente as manifestações que ocorrem inconscientemente. Vamos começar antes exactamente do ponto em que estamos, na postura exacta em que nos encontrarmos no momento em que decidimos meditar. O conhecimento adquirido pela meditação deve ser desenvolvido de forma progressiva e gradual.
Tentem perceber este paradoxo: se começar de uma forma tranquila e sossegada em silêncio desperta um turbilhão de sensações e pensamentos descontrolados, até loucos, iniciar por outro lado de forma frenética com actos tresloucados, começarão a ficar conscientes de um ponto mais subtil, um ponto no vosso interior que é silencioso e tranquilo. Começarão a sentir uma paz interior. Se se esforçarem para fazer algo que não seja natural, estarão a criar a dualidade, esforçando-se para suprimir a parte mais autêntica. Aquilo que acumulamos dentro de nós, que suprimimos no nosso interior, deve ser aceite e rejeitado das nossas acções, não suprimido. As demais emoções reprimidas ao longo da vida terão de ter o seu lugar. Se existe, tudo terá que ter o seu lugar, se não existe não tem lugar. Sentimentos como a fúria, raiva, avareza, violência, ciúme ou mesmo momentos de choro ou riso contidos terão de ser devidamente repostos na realidade para que não permaneçam suprimidos nas nossas camadas mais internas, no nosso vazio interior.
A catarse é a resposta para exteriorizar estes sentimentos de uma forma não-agressiva para o/a praticante, para qualquer ser com que este/a se relacione, e para o meio ambiente em que este/a se inserir. Tudo deverá ser lançado para o céu, para o espaço aberto, devolver a negatividade para a sua origem no vazio, sem estares consciente de qualquer objecto. Dancem descontroladamente, boicotem qualquer ritmo respiratório alterando entre profundo e ofegante, completamente arrítmico, gritem e saltem, rebolem e corram, parem de repente, chorem e riam se puderem, sem se concentrar em alguma ideia ou objecto, provocando este processo sem ordem, totalmente livre de método, entreguem-se totalmente a esta loucura saudável. Depois de dançarem e rejeitarem toda a negatividade que se manifestava, a prática de sentar surgirá naturalmente, e o silêncio interior e o conforto postural surgirão instantaneamente. Depois da catarse, algo de belo e profundo desperta em nós, uma beleza diferente, uma qualidade serena vem ao nosso encontro, acontece-nos.
Neste momento, os praticantes estão confortáveis e disponíveis para normalizar o fôlego, dar atenção ao movimento respiratório, e permanecendo tranquilos para dar início à técnica de meditação que se propuserem desenvolver.
3 FUNDAMENTOS BÁSICOS
Descontracção, observação, ausência de julgamento (não-dualidade). Estes são os fundamentos básicos para a realização de um estado meditativo, independentemente da técnica ou método adoptados.
A descontracção (no que toca ao estado do praticante) é conseguida pela ausência de conflito com a mente. Ao observar as projecções mentais o praticante depara-se com bastante informação processada inconscientemente. O ego, o nosso corpo identitário e regulador social, ao identificar-se com aquilo que a mente pensa transmite ao praticante: “eu sou aquilo que penso.” Perante a aparente falta de lógica processada no inconsciente, o ego desencadeia um processo de dualidade interior, a necessidade de lógica identitária levará o praticante a questionar e/ou negar a informação de que dispõe, criando o conflito entre a actividade mental consciente e a inconsciente. Para evitar o conflito, o praticante deve cessar qualquer tentativa de controlo da mente, aceitar todas as mentalizações que chegam desordenadas e aleatoriamente à mente estando consciente das armadilhas propostas pelo ego. Se tiver de haver alguma consciência presente, que seja a de que “eu não sou as ideias na minha mente, eu não sou aquilo que penso”, mas ainda melhor será permanecer sereno observando sem qualquer esforço a actividade mental, com total desapego desta não seguindo qualquer pensamento que ocorra, haver total ausência de concentração sobre qualquer objecto. A máxima presente é esta: ou estás concentrado/a em todos os objectos mentais conscientemente ao mesmo tempo, na aceitação e identificação total com o corpo mental (“eu sou Shiva”); ou não estás concentrado/a em objecto algum. Qualquer um destes paradoxos conduz ao estado de absoluto.
Quando o praticante decide seguir um dos pensamentos que ocorrem na mente começa a intelectualizar este objecto mental e a desenvolver relações de identificação com o mesmo, criando maior índice de actividade mental. Este tipo de observação unilateral, desenvolvido sobre um objecto limita a disponibilidade mental do praticante, mantendo-o concentrado e mentalmente ocupado sobre este objecto. Se este objecto não representar o conhecimento que o praticante procura reconhecer em si como sua verdadeira identidade total, a sua concentração estará de facto demasiado distraída para perceber quando se manifestará verdadeiramente a riqueza da meditação, o conhecimento de Si. Desta forma, a observação descontraída, descomprometida, desapegada ou mesmo desinteressada é o segundo princípio básico para a prática de dhyána (meditação). Não seguindo qualquer linha de pensamento, o praticante liberta-se da identificação com os objectos mentais, como quem passa na rua e vê as montras das lojas, com distanciamento, ou mesmo quando o sujeito mental é a/o própria/o praticante, esta/e deve ser entendido com o mesmo distanciamento: em vez de observarem um “eu” como actor/a da acção mental, observem um/a “ele” ou “ela”, uma terceira pessoa permitindo logo maior distanciamento. Sendo o/a observador/a derradeiro/a, a total e una consciência que observa toda a acção, qualquer processo de identificação pessoal cessará, não existem pessoas além do ser absoluto: eu, tu, ele/ela, nós vós, eles/elas são reabsorvidas no Ser.
Todo e qualquer acesso de dualidade têm também de terminar. Para meditar, é essencial que deixe de haver qualquer tipo de juízo ou normatização mental. Despeçam a polícia mental, a mente não tem de fazer sentido no que toca a libertar-se para meditar (ou vice versa: meditar para libertar-se)! Deixem que escorra todo e qualquer pensamento como o leito de um rio que corre, todos os rios vão dar ao mar e quando lá chegam o mar não recusa um só rio, aceita-os a todos. Por mais distante que a fonte de água esteja do mar, a água irá percorrer pelos caminhos mais acidentados, por cima e por dentro da terra, à volta ou através de montanhas rochosas bem densas, mas vai sempre chegar ao mar. Se querem mergulhar no mar imenso da meditação, deixem todos os pensamentos fluir livres até o mar, aceitem-nos a todos e libertem o grande oceano que é o Ser. A ausência de julgamentos é o terceiro princípio básico a qualquer forma de meditação.
SER DIVERTIDO
A meditação é entendida vulgarmente como algo muito sério, algo que é comum apenas para os monges ou religiosos, algo solitário e sisudo, não acessível a todos. Se vocês partilham deste ponto de vista então nunca conseguirão meditar. A meditação não é algo a ser forçado, deve ser natural, sem qualquer esforço. Abordar a prática de meditação com uma atitude alegre, jovial, descomprometida e divertida é estar disponível interiormente para meditar. Ao esquecer-se de como ser criança e de levar a vida a brincar, o ser afasta-se cada vez mais da meditação. A coisa mais séria da vida é nunca esquecer de brincar, se o ser esquece isto na sua vida deixa de existir alegria de viver. Na meditação temos de ser naturais, não forçar nada na nossa atitude, se temos de ser sérios, que sejamos tão sérios quanto para a brincadeira. Meditamos para ser eternamente jovens, espiritualmente jovens e divertidos.
SER PACIENTE
A meditação resulta da entrega e disponibilidade totais do/a praticante. Para isto, o factor “tempo” tem de ser rejeitado. Não existe um tempo exacto e apropriado para a meditação começar a surtir efeito através de qualquer técnica. O tempo apresentado nos diferentes métodos de meditação garantem somente que cada técnica é aplicada gradualmente criando predisposição no/a praticante para que este consiga abstrair-se das distracções externas ou internas, mas para que o efeito da meditação se manifeste depende realmente da capacidade de entrega total do/a praticante. Devemos aprender a discernir a energia da acção que pretendemos realizar: a iccá (energia da vontade, a primeira das três Shákti / energias de Shiva) manifesta em nós para realizar qualquer acção, neste caso a meditação, até ganhar forma e atingir o seu objectivo, traduzir-se-á em diferentes formas de energia de acção. Uma das demais formas que aqui abordaremos é a ânsia, que não devemos confundir com ansiedade. A ânsia é a energia que surge pela vontade expressa de dar forma à criação. Numa linguagem clínica, podemos dizer que é uma sobreactivação química do sistema nervoso e sensorial como resposta a um estado de espírito / energético, produzindo uma reacção extraordinária sobre os corpos psico-fisiológico-emocional, um stress positivo, um ímpeto para alcançar os objectivos da acção que nos propomos realizar. Com a ânsia pode manifestar-se também a impaciência, e esta já pode representar um obstáculo à meditação ou a qualquer outra acção. A impaciência exige resultados e se estes não forem alcançados gera conflitos ao praticante. Não seguindo a direcção pretendida, a energia irá bloquear e eventualmente gastar-se de forma não desejada. Então, a ansiedade, por sua vez é um estado de influência negativa com marcas surtidas no/a praticante, sintomas característicos como a aceleração e arritmia cardíaca, a respiração irregular, o descontrolo hormonal, a falta de vitalidade e o cansaço físico, a intensa actividade ou bloqueio mental. A ânsia revela sintomas positivos, a predisposição e pró-activismo para a realização da acção através de respostas de activação muscular, capacidade de raciocínio e discernimento, concentração objectiva e sobre-activação energética; a ansiedade é o conflito desgastante. Dar tempo para ver os projectos crescerem, tal como as sementes que viram árvores ou as crianças que se tornam adultas, tudo tem o seu ritmo natural, não pode ser forçado. Não pode ser sempre Primavera nem Verão, teremos de passar sempre pelo Outono e pelo Inverno. Mas podem contar que virá sempre uma nova Primavera e um novo Verão. Sê paciente, não procures objectivos, pois aquilo que procuras já está em ti, só tens que limpar as camadas superiores mais grossas e poluídas para começar a poder perceber as camadas mais subtis que se revelam por debaixo.
Vou contar-vos a estória do escultor: um escultor admirava uma grande rocha maciça, esta encontrava-se no seu atelier aberto para a praça pública, desta forma toda a população partilhava da arte que este homem tinha para oferecer à comunidade. Durante horas a fio, o escultor apreciava aquela pedra magnânima, de ferramentas pousadas, escopro e maço bem urdidos do trabalho, caminhava em seu redor observando-a, por vezes senta-se e ficava somente a contemplá-la, atravessava a pedra intensamente com o seu olhar. Um homem bem embalado pelo álcool que passava na praça reparou no escultor e na sua admiração sobre a rocha. Tropeçando e balbuciando palavras soltas entre soluços, aproximou-se do escultor e disse-lhe: “Ó escultor, escuta lá… explica-me lá uma coisa para ver se eu consigo compreender isto. A mim, que não trabalho e nem quero, e passo os dias na companhia da minha querida garrafa, chamam-me de vadio e preguiçoso… mas não serás tu maior vadio e preguiçoso, que dizes que és escultor e passas aí o dia sem fazer nada a olhar para uma pedra? Trata mas é de trabalhar e começa a fazer a estátua, se é que és mesmo um escultor a sério!”. O escultor interrompeu a sua contemplação para responder ao homem: “Ó homem, eu não o censuro por ser quem é nem ajuízo a vida que leva, pois se assim for feliz eu fico feliz por si também, mas vou ter que censurar a sua ignorância para ver se o ajudo a ser mais feliz sem esta. Eu estou para aqui a contemplar a rocha porque a estátua já está feita. Está feita e é belíssima na sua essência, esta reside no seu interior. Como escultor, eu só tenho de perceber o excesso de rocha em seu redor e removê-lo para pôr a descoberto a estátua linda que está lá dentro. A estátua já está feita!”. Sejam pacientes e perceberão que a mais linda arte já está pronta, a meditação já existe em vós, entreguem-se com desprendimento à prática da meditação e deixem-na pacientemente manifestar-se.
REJEITAR A EXPECTATIVA
A expectativa resulta do facto da mente focar única e exclusivamente o resultado da acção, não se importando devidamente com o processo, mas mais com o resultado que poderá advir do seu esforço e empenho. Se a mente for capaz de atingir os objectivos sem ter de realizar qualquer acção, ela empreenderá sempre por esta alternativa. Esta habilidade adquire-se com a educação que temos, somos ensinados para ser espertos, para minimizar o processo de custo e obter o máximo de resultados. Somos treinados para vencer na vida por qualquer meio, se for legal ainda melhor que levamos uma vida inteira a render resultados com o menor trabalho possível, mas se for ilegal então ainda melhor, podemos viver do tráfico, contrabando, jogo, etc. Agora sendo dirigente políticos, presidentes e ministros, aí temos todos os atalhos à nossa disposição, todas as manobras legais e ilegais ao nosso dispor porque somos nós quem fazemos a lei. A hierarquia mede-se em termos de esperteza e influência, quanto mais esperto, mais atalhos, mais “cunhas”… Mesmo nas classes mais baixas da sociedade a esperteza se manifesta de maneira a colocar-nos sempre um pouco mais acima na hierarquia, mais confortável e menos dependente, “se eu puder alimentar-me a mim e aos meu sem mexer uma palha, eu vou por esse caminho”. Agora, se o vosso propósito é meditar esqueçam por completo qualquer atalho para a meditação milagrosa e revitalizante dos 5 minutos com resultados garantidos. Não há atalhos para a meditação, nem expectativas acertadas, ela se manifestará apenas quando a disponibilidade for total, e para isso não há fórmulas exactas, apenas autenticidade.
ESTAR CONSCIENTE E INCONSCIENTE
As realidades que criamos cada dia não são outra coisa além do manifesto do subconsciente tornado consciente, produtos seleccionados na matriz subconsciente (ou inconsciente), retalhos extraídos de sonhos filtrados pela personalidade individual e egóica, que se tornam conscientes quando os tornamos reais e concretos na nossa acção diária. Desta forma, consciência e inconsciência são dois extremos de um mesmo plano, interdependentes e indissociáveis. Estar consciente é realizar o inconsciente, estar inconsciente é relaxar o consciente, inconsciência sem consciência resulta em não-realização, consciência sem inconsciência resulta em tensão. Se estivermos sempre acordados, quantos dias podemos aguentar vivos? E se estivermos sempre a dormir, será que estamos de facto vivos? Tal como a seguir ao dia vem a noite para que a vida possa repousar e acordar para um novo dia novamente fresca, também a energia tem de passar por estados de acção para descontracção. Isto também acontece na meditação: por momentos estás perfeitamente consciente, e de seguida podes estar totalmente repousado, paz total, a consciência desaparece e tu esqueces. Não há nada de errado nisso, pois através da inconsciência a consciência emerge de novo. É importante desfrutar de ambas, não ser nem a consciência nem a inconsciência, mas a derradeira testemunha de todo o processo.
Tal como a felicidade e a tristeza, deves desfrutar de ambas pois ambas têm a sua própria riqueza: a felicidade é rente, superficial, efusiva, manifesta-se à superfície do ser; a tristeza é profunda, silenciosa. Desfruta das duas para perceber quão diferentes são as aprendizagens que advém de ambas, mas mantém o mesmo distanciamento contemplativo, lembra-te sempre que és o o/a observador/a e que não és nem a felicidade nem a tristeza. Sê inconsciente e contempla a inconsciência; sê consciente e contempla a consciência.
O OBSERVADOR NÃO É A EXPERIÊNCIA OBSERVADA
Independência é a palavra-chave neste aspecto, independentemente da experiência que se obtenha através da viagem interior que é a meditação, tu não és as imagens que mentalizas, tu não és os pensamentos que ocorrem à mente, tu não és sequer a ausência de qualquer actividade sensorial e mental, tu és aquele/a que testemunha a experiência. “A iluminação não é uma experiência. É o estado em que és deixado absolutamente só, sem nada para conhecer. (…) Só nesse momento é que a tua consciência desobstruída por qualquer objecto, dá meia volta e regressa à fonte.” (Osho, Meditação – A Primeira e Última Liberdade).
O OBSERVADOR NÃO É A TESTEMUNHA
Um aspecto que pode gerar alguma confusão aos praticantes é pensar que o observador é a testemunha da experiência. Observador e observado são dois aspectos diferentes da testemunha, nenhum deles considerados em separado do outro representa de alguma forma a testemunha, nenhum deles é um todo, o objecto observado é o próprio observador e a inter-relação entre os dois manifesta a testemunha. O observador é subjectivo, exterior ao objecto que é observado; o observado é objectivo, é a experiência observada. São o interior e o exterior da testemunha, e a testemunha é total. A testemunha resulta da fusão entre observador e observado, onde os dois são uma e a mesma coisa, sem distanciamento entre estes. É algo que se pode praticar facilmente com um objecto na natureza, uma flor, o sol, uma montanha, e mergulhar profundamente no objecto observado, amá-lo intensamente até um tornar-se no outro e os dois num só: eu sou uma flor, sou o sol, sol sol sol sou sou sou… SER. E testemunhar.
A MEDITAÇÃO É UM DOM
A meditação é algo tão transcendente que pode ser entendido nos mais diversos campos, da ciência à arte ou aos dons da humanidade. Como ciência ela implica o desenvolvimento de técnicas, trabalhadas e estudadas para atingir propósitos específicos. No entanto, a meditação é algo que diz respeito ao coração e não à mente pois a um certo ponto a actividade nesta cessa, e nesta medida distancia-se mais das actividades científicas para se aproximar mais de expressões como a pintura, a dança, a música ou a poesia, e desta forma permeia os campos da arte. A meditação é também um mistério, é como um dom, ou o tens ou não tens, ou se manifesta ou não se manifesta, é algo que transcende os limites da compreensão humana. Se fosse mesmo uma arte ou uma ciência, seria mais fácil atingir resultados, seria mais fácil ensinar e aprender, mas como é um dom é algo que se desenvolve aos poucos, temos de tentar, com um pequeno esforço inicial, até que o esforço desaparece de todo e a meditação torna-se natural como nas crianças, voltamos a ser crianças. Este é o verdadeiro dom que reside em todos nós.
Estas sugestões foram adaptadas do livro do Osho - Meditação: A Primeira e Última Liberdade, e foram enriquecidas com a minha experiência e contributo pessoal.
Este será um momento sagrado em todos os seus aspectos, tudo o que não for essencial à meditação deverá ser deixado fora do local de meditação: telemóveis, chaves, carteiras, sapatos, enfim, todos aqueles objectos que fazem parte do mundo material e que poderão influenciar a tua atenção e concentração no desenrolar do processo. Com a prática perceberás que não só os bens materiais ficam de parte, como também qualquer ocupação mental ou emocional: os compromissos profissionais e sociais, os pensamentos, ambições, desejos e projecções, até mesmo a família.
LOCAL
Deves eleger ou dar preferência por um lugar de meditação que favoreça a sua prática e intensifique a sua acção. Um local no meio da Natureza é sempre favorável para meditar uma vez que o/a praticante mais facilmente se descomprometerá da sua acção em sociedade, a natureza não cobra nem compromete a atenção de quem medita. Tentar meditar inicialmente em locais movimentados será bastante perturbador e factor de distracção para o praticante, devem evitar os locais movimentados e com muita informação / confusão, e preferir sempre que possível um local protegido e tranquilo. O campo, as montanhas, a praia, um rio, um lago, uma árvore, uma queda de água são templos naturais para a prática da meditação. Aqui a energia encontra-se vibrante e pura, influenciando tudo em seu redor com esta vibração.
Se conseguirem encontrar um local onde a natureza se encontre salvaguardada, sem poluição e perturbação, adoptem um lugar neste local exclusivamente para meditar. Se não tiverem essa sorte do contacto directo com a natureza, não se desiludam pois poderás criar este local mesmo na tua casa, podes disponibilizar uma sala da habitação para a meditação, mas se não tiverem disponibilidade espacial para isso, podem sentar-se no vosso quarto e fechar os olhos, um canto na divisão servirá para o efeito, mas deve ser dedicado exclusivamente à meditação. Todas as acções desencadeiam a sua própria frequência vibracional, todas geram a sua própria energia, se dedicares este espaço à meditação, este absorve essas vibrações, e corresponderá progressivamente com a tua prática, quando te voltares a sentar lá estarás envolto nesta vibração.
Com a prática perceberás também que o verdadeiro templo da meditação é interior, é o estado natural do ser, a sua própria essência, o local de maior conforto que poderás encontrar será o teu próprio centro, a tua consciência, e nesse momento poderás meditar em qualquer lugar, no trabalho, na escola, no supermercado, no carro, na feira, na estação de comboio, porque estás centrado. O crescimento na prática é essencial, dia após dia após ano, como um ser vivo que se desenvolve: frágil no princípio como qualquer planta, cria animal ou criança que cresce e desenvolve integridade com a experiência e força e sabedoria para lidar com as exigências na vida.
CONFORTO
O conforto na postura que se adopta para a meditação é algo muito importante para o sucesso na prática. Se não conseguirmos garantir o conforto ao nosso corpo físico, será muito mais complicado atingir camadas muito mais profundas e sublimes do nosso ser, se a primeira porta para a meditação que é o conforto e estabilidade do corpo físico não for aberta, todas as outras portas permanecerão fechadas. Estar confortável com o seu corpo é a necessidade primordial do praticante que pretende aprofundar os seus êxtases interiores. Ao princípio não se recomenda a prática de posturas deitadas, pois a falta de prática na atenção e concentração do praticante poderão facilmente colocá-lo mesmo à vontade para fazer uma soneca, e este não é o propósito da meditação, apesar de o sono melhorar qualitativamente com a prática. Prefiram uma postura sentada, que lhes proporcione o conforto necessário para meditar, mas que ao mesmo tempo seja firme e estável, mantendo a coluna erecta para que o prána (energia no oxigénio) flua devidamente pelo corpo alimentando desta forma a relação do praticante com os seus corpos mais sublimes, de consciência mais intensificada. Por firme não entendam rigidez na postura, mas antes uma firmeza suave que lhes permita estar completamente atenta/o, completamente consciente. Tal como Patanjali refere nos Yoga Sútras: “Sthiram Sukham Ásanam”, postura firme mas confortável, percebam inicialmente se está firma para permanecerem nesta posição por um tempo, e depois garantam que será confortável para a prática, sem que as distracções do corpo não perturbem o bom funcionamento da prática.
COMO COMEÇAR
Tal como mencionei anteriormente, aos poucos o/a praticante vai ganhando percepção que a meditação é o seu estado natural, mas antes de estar consciente disso vai encontrar no seu caminho uma série de (des)informações, preocupações, perturbações, uma série de percalços enraizados na sua mente e na sua acção, e assim que começarem a tentar meditar estas vão manifestar-se causando algumas dificuldades iniciais.
Pela minha experiência pessoal, debati-me inicialmente com este “macaco solto na mente”, as ideias na cabeça que não sabia ao certo se era eu que as pensava se eram elas que me pensavam a mim, e até reconhecer verdadeiramente a essência da meditação experimentei as mais variadas técnicas tentando encontrar alguma/s forma/s de acalmar esta actividade interior para conseguir beneficiar da riqueza da meditação. Começar inicialmente com mentalizações forçando a concentração revelava-se infrutífero, pois existiam uma série de factores externos e internos que me distraiam da prática. Precisava de garantir o conforto e a tranquilidade essenciais há prática, e para garantir a realização de dhyána tinha que efectuar uma purificação, um kriyá , uma purga destes estímulos parasitas: as dores no corpo, o desconforto na postura, as perturbações ou pensamentos, os casos pendentes do quotidiano que afligiam a minha mente e emoção teriam de cessar. Ser persistente e estar disponível para aprender e aceitar o momento é o primeiro passo.
Como tal, vou fazer aqui referência à proposta de Osho para iniciar uma meditação, que ao longo do meu percurso na senda do conhecimento se revelou como um kriyá (técnica de realização) excelente para desconstruir os bloqueios iniciais do praticante: iniciar provocando a catarse.
Não começaremos sentados para não lidarmos com as perturbações que surgem, evitando desta forma frustrações, depressões, insatisfações desnecessárias por termos de alguma forma tentado interpretar conscientemente as manifestações que ocorrem inconscientemente. Vamos começar antes exactamente do ponto em que estamos, na postura exacta em que nos encontrarmos no momento em que decidimos meditar. O conhecimento adquirido pela meditação deve ser desenvolvido de forma progressiva e gradual.
Tentem perceber este paradoxo: se começar de uma forma tranquila e sossegada em silêncio desperta um turbilhão de sensações e pensamentos descontrolados, até loucos, iniciar por outro lado de forma frenética com actos tresloucados, começarão a ficar conscientes de um ponto mais subtil, um ponto no vosso interior que é silencioso e tranquilo. Começarão a sentir uma paz interior. Se se esforçarem para fazer algo que não seja natural, estarão a criar a dualidade, esforçando-se para suprimir a parte mais autêntica. Aquilo que acumulamos dentro de nós, que suprimimos no nosso interior, deve ser aceite e rejeitado das nossas acções, não suprimido. As demais emoções reprimidas ao longo da vida terão de ter o seu lugar. Se existe, tudo terá que ter o seu lugar, se não existe não tem lugar. Sentimentos como a fúria, raiva, avareza, violência, ciúme ou mesmo momentos de choro ou riso contidos terão de ser devidamente repostos na realidade para que não permaneçam suprimidos nas nossas camadas mais internas, no nosso vazio interior.
A catarse é a resposta para exteriorizar estes sentimentos de uma forma não-agressiva para o/a praticante, para qualquer ser com que este/a se relacione, e para o meio ambiente em que este/a se inserir. Tudo deverá ser lançado para o céu, para o espaço aberto, devolver a negatividade para a sua origem no vazio, sem estares consciente de qualquer objecto. Dancem descontroladamente, boicotem qualquer ritmo respiratório alterando entre profundo e ofegante, completamente arrítmico, gritem e saltem, rebolem e corram, parem de repente, chorem e riam se puderem, sem se concentrar em alguma ideia ou objecto, provocando este processo sem ordem, totalmente livre de método, entreguem-se totalmente a esta loucura saudável. Depois de dançarem e rejeitarem toda a negatividade que se manifestava, a prática de sentar surgirá naturalmente, e o silêncio interior e o conforto postural surgirão instantaneamente. Depois da catarse, algo de belo e profundo desperta em nós, uma beleza diferente, uma qualidade serena vem ao nosso encontro, acontece-nos.
Neste momento, os praticantes estão confortáveis e disponíveis para normalizar o fôlego, dar atenção ao movimento respiratório, e permanecendo tranquilos para dar início à técnica de meditação que se propuserem desenvolver.
3 FUNDAMENTOS BÁSICOS
Descontracção, observação, ausência de julgamento (não-dualidade). Estes são os fundamentos básicos para a realização de um estado meditativo, independentemente da técnica ou método adoptados.
A descontracção (no que toca ao estado do praticante) é conseguida pela ausência de conflito com a mente. Ao observar as projecções mentais o praticante depara-se com bastante informação processada inconscientemente. O ego, o nosso corpo identitário e regulador social, ao identificar-se com aquilo que a mente pensa transmite ao praticante: “eu sou aquilo que penso.” Perante a aparente falta de lógica processada no inconsciente, o ego desencadeia um processo de dualidade interior, a necessidade de lógica identitária levará o praticante a questionar e/ou negar a informação de que dispõe, criando o conflito entre a actividade mental consciente e a inconsciente. Para evitar o conflito, o praticante deve cessar qualquer tentativa de controlo da mente, aceitar todas as mentalizações que chegam desordenadas e aleatoriamente à mente estando consciente das armadilhas propostas pelo ego. Se tiver de haver alguma consciência presente, que seja a de que “eu não sou as ideias na minha mente, eu não sou aquilo que penso”, mas ainda melhor será permanecer sereno observando sem qualquer esforço a actividade mental, com total desapego desta não seguindo qualquer pensamento que ocorra, haver total ausência de concentração sobre qualquer objecto. A máxima presente é esta: ou estás concentrado/a em todos os objectos mentais conscientemente ao mesmo tempo, na aceitação e identificação total com o corpo mental (“eu sou Shiva”); ou não estás concentrado/a em objecto algum. Qualquer um destes paradoxos conduz ao estado de absoluto.
Quando o praticante decide seguir um dos pensamentos que ocorrem na mente começa a intelectualizar este objecto mental e a desenvolver relações de identificação com o mesmo, criando maior índice de actividade mental. Este tipo de observação unilateral, desenvolvido sobre um objecto limita a disponibilidade mental do praticante, mantendo-o concentrado e mentalmente ocupado sobre este objecto. Se este objecto não representar o conhecimento que o praticante procura reconhecer em si como sua verdadeira identidade total, a sua concentração estará de facto demasiado distraída para perceber quando se manifestará verdadeiramente a riqueza da meditação, o conhecimento de Si. Desta forma, a observação descontraída, descomprometida, desapegada ou mesmo desinteressada é o segundo princípio básico para a prática de dhyána (meditação). Não seguindo qualquer linha de pensamento, o praticante liberta-se da identificação com os objectos mentais, como quem passa na rua e vê as montras das lojas, com distanciamento, ou mesmo quando o sujeito mental é a/o própria/o praticante, esta/e deve ser entendido com o mesmo distanciamento: em vez de observarem um “eu” como actor/a da acção mental, observem um/a “ele” ou “ela”, uma terceira pessoa permitindo logo maior distanciamento. Sendo o/a observador/a derradeiro/a, a total e una consciência que observa toda a acção, qualquer processo de identificação pessoal cessará, não existem pessoas além do ser absoluto: eu, tu, ele/ela, nós vós, eles/elas são reabsorvidas no Ser.
Todo e qualquer acesso de dualidade têm também de terminar. Para meditar, é essencial que deixe de haver qualquer tipo de juízo ou normatização mental. Despeçam a polícia mental, a mente não tem de fazer sentido no que toca a libertar-se para meditar (ou vice versa: meditar para libertar-se)! Deixem que escorra todo e qualquer pensamento como o leito de um rio que corre, todos os rios vão dar ao mar e quando lá chegam o mar não recusa um só rio, aceita-os a todos. Por mais distante que a fonte de água esteja do mar, a água irá percorrer pelos caminhos mais acidentados, por cima e por dentro da terra, à volta ou através de montanhas rochosas bem densas, mas vai sempre chegar ao mar. Se querem mergulhar no mar imenso da meditação, deixem todos os pensamentos fluir livres até o mar, aceitem-nos a todos e libertem o grande oceano que é o Ser. A ausência de julgamentos é o terceiro princípio básico a qualquer forma de meditação.
SER DIVERTIDO
A meditação é entendida vulgarmente como algo muito sério, algo que é comum apenas para os monges ou religiosos, algo solitário e sisudo, não acessível a todos. Se vocês partilham deste ponto de vista então nunca conseguirão meditar. A meditação não é algo a ser forçado, deve ser natural, sem qualquer esforço. Abordar a prática de meditação com uma atitude alegre, jovial, descomprometida e divertida é estar disponível interiormente para meditar. Ao esquecer-se de como ser criança e de levar a vida a brincar, o ser afasta-se cada vez mais da meditação. A coisa mais séria da vida é nunca esquecer de brincar, se o ser esquece isto na sua vida deixa de existir alegria de viver. Na meditação temos de ser naturais, não forçar nada na nossa atitude, se temos de ser sérios, que sejamos tão sérios quanto para a brincadeira. Meditamos para ser eternamente jovens, espiritualmente jovens e divertidos.
SER PACIENTE
A meditação resulta da entrega e disponibilidade totais do/a praticante. Para isto, o factor “tempo” tem de ser rejeitado. Não existe um tempo exacto e apropriado para a meditação começar a surtir efeito através de qualquer técnica. O tempo apresentado nos diferentes métodos de meditação garantem somente que cada técnica é aplicada gradualmente criando predisposição no/a praticante para que este consiga abstrair-se das distracções externas ou internas, mas para que o efeito da meditação se manifeste depende realmente da capacidade de entrega total do/a praticante. Devemos aprender a discernir a energia da acção que pretendemos realizar: a iccá (energia da vontade, a primeira das três Shákti / energias de Shiva) manifesta em nós para realizar qualquer acção, neste caso a meditação, até ganhar forma e atingir o seu objectivo, traduzir-se-á em diferentes formas de energia de acção. Uma das demais formas que aqui abordaremos é a ânsia, que não devemos confundir com ansiedade. A ânsia é a energia que surge pela vontade expressa de dar forma à criação. Numa linguagem clínica, podemos dizer que é uma sobreactivação química do sistema nervoso e sensorial como resposta a um estado de espírito / energético, produzindo uma reacção extraordinária sobre os corpos psico-fisiológico-emocional, um stress positivo, um ímpeto para alcançar os objectivos da acção que nos propomos realizar. Com a ânsia pode manifestar-se também a impaciência, e esta já pode representar um obstáculo à meditação ou a qualquer outra acção. A impaciência exige resultados e se estes não forem alcançados gera conflitos ao praticante. Não seguindo a direcção pretendida, a energia irá bloquear e eventualmente gastar-se de forma não desejada. Então, a ansiedade, por sua vez é um estado de influência negativa com marcas surtidas no/a praticante, sintomas característicos como a aceleração e arritmia cardíaca, a respiração irregular, o descontrolo hormonal, a falta de vitalidade e o cansaço físico, a intensa actividade ou bloqueio mental. A ânsia revela sintomas positivos, a predisposição e pró-activismo para a realização da acção através de respostas de activação muscular, capacidade de raciocínio e discernimento, concentração objectiva e sobre-activação energética; a ansiedade é o conflito desgastante. Dar tempo para ver os projectos crescerem, tal como as sementes que viram árvores ou as crianças que se tornam adultas, tudo tem o seu ritmo natural, não pode ser forçado. Não pode ser sempre Primavera nem Verão, teremos de passar sempre pelo Outono e pelo Inverno. Mas podem contar que virá sempre uma nova Primavera e um novo Verão. Sê paciente, não procures objectivos, pois aquilo que procuras já está em ti, só tens que limpar as camadas superiores mais grossas e poluídas para começar a poder perceber as camadas mais subtis que se revelam por debaixo.
Vou contar-vos a estória do escultor: um escultor admirava uma grande rocha maciça, esta encontrava-se no seu atelier aberto para a praça pública, desta forma toda a população partilhava da arte que este homem tinha para oferecer à comunidade. Durante horas a fio, o escultor apreciava aquela pedra magnânima, de ferramentas pousadas, escopro e maço bem urdidos do trabalho, caminhava em seu redor observando-a, por vezes senta-se e ficava somente a contemplá-la, atravessava a pedra intensamente com o seu olhar. Um homem bem embalado pelo álcool que passava na praça reparou no escultor e na sua admiração sobre a rocha. Tropeçando e balbuciando palavras soltas entre soluços, aproximou-se do escultor e disse-lhe: “Ó escultor, escuta lá… explica-me lá uma coisa para ver se eu consigo compreender isto. A mim, que não trabalho e nem quero, e passo os dias na companhia da minha querida garrafa, chamam-me de vadio e preguiçoso… mas não serás tu maior vadio e preguiçoso, que dizes que és escultor e passas aí o dia sem fazer nada a olhar para uma pedra? Trata mas é de trabalhar e começa a fazer a estátua, se é que és mesmo um escultor a sério!”. O escultor interrompeu a sua contemplação para responder ao homem: “Ó homem, eu não o censuro por ser quem é nem ajuízo a vida que leva, pois se assim for feliz eu fico feliz por si também, mas vou ter que censurar a sua ignorância para ver se o ajudo a ser mais feliz sem esta. Eu estou para aqui a contemplar a rocha porque a estátua já está feita. Está feita e é belíssima na sua essência, esta reside no seu interior. Como escultor, eu só tenho de perceber o excesso de rocha em seu redor e removê-lo para pôr a descoberto a estátua linda que está lá dentro. A estátua já está feita!”. Sejam pacientes e perceberão que a mais linda arte já está pronta, a meditação já existe em vós, entreguem-se com desprendimento à prática da meditação e deixem-na pacientemente manifestar-se.
REJEITAR A EXPECTATIVA
A expectativa resulta do facto da mente focar única e exclusivamente o resultado da acção, não se importando devidamente com o processo, mas mais com o resultado que poderá advir do seu esforço e empenho. Se a mente for capaz de atingir os objectivos sem ter de realizar qualquer acção, ela empreenderá sempre por esta alternativa. Esta habilidade adquire-se com a educação que temos, somos ensinados para ser espertos, para minimizar o processo de custo e obter o máximo de resultados. Somos treinados para vencer na vida por qualquer meio, se for legal ainda melhor que levamos uma vida inteira a render resultados com o menor trabalho possível, mas se for ilegal então ainda melhor, podemos viver do tráfico, contrabando, jogo, etc. Agora sendo dirigente políticos, presidentes e ministros, aí temos todos os atalhos à nossa disposição, todas as manobras legais e ilegais ao nosso dispor porque somos nós quem fazemos a lei. A hierarquia mede-se em termos de esperteza e influência, quanto mais esperto, mais atalhos, mais “cunhas”… Mesmo nas classes mais baixas da sociedade a esperteza se manifesta de maneira a colocar-nos sempre um pouco mais acima na hierarquia, mais confortável e menos dependente, “se eu puder alimentar-me a mim e aos meu sem mexer uma palha, eu vou por esse caminho”. Agora, se o vosso propósito é meditar esqueçam por completo qualquer atalho para a meditação milagrosa e revitalizante dos 5 minutos com resultados garantidos. Não há atalhos para a meditação, nem expectativas acertadas, ela se manifestará apenas quando a disponibilidade for total, e para isso não há fórmulas exactas, apenas autenticidade.
ESTAR CONSCIENTE E INCONSCIENTE
As realidades que criamos cada dia não são outra coisa além do manifesto do subconsciente tornado consciente, produtos seleccionados na matriz subconsciente (ou inconsciente), retalhos extraídos de sonhos filtrados pela personalidade individual e egóica, que se tornam conscientes quando os tornamos reais e concretos na nossa acção diária. Desta forma, consciência e inconsciência são dois extremos de um mesmo plano, interdependentes e indissociáveis. Estar consciente é realizar o inconsciente, estar inconsciente é relaxar o consciente, inconsciência sem consciência resulta em não-realização, consciência sem inconsciência resulta em tensão. Se estivermos sempre acordados, quantos dias podemos aguentar vivos? E se estivermos sempre a dormir, será que estamos de facto vivos? Tal como a seguir ao dia vem a noite para que a vida possa repousar e acordar para um novo dia novamente fresca, também a energia tem de passar por estados de acção para descontracção. Isto também acontece na meditação: por momentos estás perfeitamente consciente, e de seguida podes estar totalmente repousado, paz total, a consciência desaparece e tu esqueces. Não há nada de errado nisso, pois através da inconsciência a consciência emerge de novo. É importante desfrutar de ambas, não ser nem a consciência nem a inconsciência, mas a derradeira testemunha de todo o processo.
Tal como a felicidade e a tristeza, deves desfrutar de ambas pois ambas têm a sua própria riqueza: a felicidade é rente, superficial, efusiva, manifesta-se à superfície do ser; a tristeza é profunda, silenciosa. Desfruta das duas para perceber quão diferentes são as aprendizagens que advém de ambas, mas mantém o mesmo distanciamento contemplativo, lembra-te sempre que és o o/a observador/a e que não és nem a felicidade nem a tristeza. Sê inconsciente e contempla a inconsciência; sê consciente e contempla a consciência.
O OBSERVADOR NÃO É A EXPERIÊNCIA OBSERVADA
Independência é a palavra-chave neste aspecto, independentemente da experiência que se obtenha através da viagem interior que é a meditação, tu não és as imagens que mentalizas, tu não és os pensamentos que ocorrem à mente, tu não és sequer a ausência de qualquer actividade sensorial e mental, tu és aquele/a que testemunha a experiência. “A iluminação não é uma experiência. É o estado em que és deixado absolutamente só, sem nada para conhecer. (…) Só nesse momento é que a tua consciência desobstruída por qualquer objecto, dá meia volta e regressa à fonte.” (Osho, Meditação – A Primeira e Última Liberdade).
O OBSERVADOR NÃO É A TESTEMUNHA
Um aspecto que pode gerar alguma confusão aos praticantes é pensar que o observador é a testemunha da experiência. Observador e observado são dois aspectos diferentes da testemunha, nenhum deles considerados em separado do outro representa de alguma forma a testemunha, nenhum deles é um todo, o objecto observado é o próprio observador e a inter-relação entre os dois manifesta a testemunha. O observador é subjectivo, exterior ao objecto que é observado; o observado é objectivo, é a experiência observada. São o interior e o exterior da testemunha, e a testemunha é total. A testemunha resulta da fusão entre observador e observado, onde os dois são uma e a mesma coisa, sem distanciamento entre estes. É algo que se pode praticar facilmente com um objecto na natureza, uma flor, o sol, uma montanha, e mergulhar profundamente no objecto observado, amá-lo intensamente até um tornar-se no outro e os dois num só: eu sou uma flor, sou o sol, sol sol sol sou sou sou… SER. E testemunhar.
A MEDITAÇÃO É UM DOM
A meditação é algo tão transcendente que pode ser entendido nos mais diversos campos, da ciência à arte ou aos dons da humanidade. Como ciência ela implica o desenvolvimento de técnicas, trabalhadas e estudadas para atingir propósitos específicos. No entanto, a meditação é algo que diz respeito ao coração e não à mente pois a um certo ponto a actividade nesta cessa, e nesta medida distancia-se mais das actividades científicas para se aproximar mais de expressões como a pintura, a dança, a música ou a poesia, e desta forma permeia os campos da arte. A meditação é também um mistério, é como um dom, ou o tens ou não tens, ou se manifesta ou não se manifesta, é algo que transcende os limites da compreensão humana. Se fosse mesmo uma arte ou uma ciência, seria mais fácil atingir resultados, seria mais fácil ensinar e aprender, mas como é um dom é algo que se desenvolve aos poucos, temos de tentar, com um pequeno esforço inicial, até que o esforço desaparece de todo e a meditação torna-se natural como nas crianças, voltamos a ser crianças. Este é o verdadeiro dom que reside em todos nós.
Estas sugestões foram adaptadas do livro do Osho - Meditação: A Primeira e Última Liberdade, e foram enriquecidas com a minha experiência e contributo pessoal.
1 comentário:
Obrigada pela partilha.
Tenho-me debatido com a meditação há semanas, pois tentei inclui-la na minha prática diária, mas sinto sempre que a mente domina todo o processo, e que poucos são os momentos em que consigo estar realmente consciente e sem argumentação mental... é uma loucura o que se passa na nossa cabeça!!
Vou experimentar o exercício que referes aqui. Depois partilho o resultado.
Obrigada
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